Eletrocardiogramas (ECGs)
são um dos exames complementares mais comuns na Emergência. Médicos
Emergencistas irão ler milhares de ECGs ao longo de suas carreiras e
devem ser especialistas no assunto para poderem interpretá-los
rapidamente. Por esse motivo, estamos traduzindo esse texto doemDocs
sobre os principais erros na hora de interpretar um ECG.
Um
estudo recente demonstrou que a análise e interpretação de ECGs mudaram
o manejo de pacientes em 32% dos casos (1). Ao contrário de muitos
exames laboratoriais, existem poucos critérios bem definidos para dar
uma resposta sim/não durante a interpretação de um ECG. É comum que
cardiologistas, eletrofisiologistas e emergencistas apresentam baixas
taxas de concordância entre avaliadores (kappa) analisando o mesmo ECG.
Até o mesmo avaliador lendo o mesmo ECG em diferentes momentos irá
chegar a resultados inconsistentes (2, 3). A American College of
Cardiology Foundation estima que seja necessário ler 3500 ECGs
supervisionados para se tornar um especialista (4). Por isso, não é
surpresa saber que erros são comuns na interpretação de ECGs. Estudos
demonstram que não-cardiologistas têm uma acurácia de 36% a 96% na
detecção de anormalidades nos ECGs, e de apenas 87% a 100% na detecção
de infarto agudo do miocárdio (5). As consequências desses erros na
interpretação podem ser significantes. Estima-se que esses erros sejam
responsáveis por um manejo inadequado em até 11% dos casos, embora a
gravidade dessas consequências sejam variáveis (5).
Esse
artigo não será uma revisão das complexidades e sutilezas da
interpretação de um ECG. Em vez disso, este artigo irá avaliar os erros
sistemáticos de interpretação numa tentativa de limitar as principais
fontes de erros nas análises de ECG. A fim de avaliar os erros
sistemáticos mais comuns, é importante entender quando, por que e como
um ECG é feito.
Um cenário típico é o seguinte: um ECG é feito
como parte de um protocolo de Enfermagem (a razão mais comum para a
realização de um ECG [1]). Então, o ECG é mostrado ao médico que ainda
nem viu o paciente. O médico precisa parar o que está fazendo e analisar
rapidamente o ECG sem conhecer o paciente ou sua apresentação clínica. A
pergunta mais comum nesses casos é: “É um infarto com supra de ST?”.
Então, um tempo depois o médico verá o paciente e fará decisões mais
específicas quanto ao seu tratamento.
Cada passo nesse
processo pode ser uma fonte para erros sistemáticos na interpretação dos
ECGs; esses serão discutidos em detalhe abaixo. Referências para
recursos adicionais serão inseridas quando necessário.
Emergencistas
são interrompidos (por exemplo, recebendo um ECG), em média, a cada 9 a
14 minutos (6). Há um debate considerável se os humanos conseguem
realmente realizar multitarefas ou se nós na verdade aplicamos uma
alternância entre diferentes atividades (7). Há muitos modelos que estão
sendo desenvolvidos para ensinar as pessoas a lidar com interrupções e
multitarefas (6, 8). Durante a realização de multitarefas (ou
alternância de tarefas), as pessoas são mais propensas a usar regras
pré-definidas para simplificar o esforço cognitivo (8).
Essas
regras funcionam como um atalho mental. São uma estratégia que o cérebro
utiliza para limitar as opções cognitivas e, portanto, chegar
rapidamente a uma solução viável. O uso de atalhos permite que o cérebro
funcione com uma velocidade elevada; no entanto, também leva a certos
viéses (erros sistemáticos devido a processos cognitivos) (9, 10). Há
muitas estratégias disponíveis para neutralizar o impacto negativo
dessas simplificações (uma análise aprofundada está fora do escopo deste
artigo). Um estudo de análise de ECGs mostrou que basta estar ciente da
presença e pensar criticamente sobre o impacto desses atalhos para
levar a melhorias na cognição e na redução de erros.
“Isso é um
infarto com supra?” Esta pergunta é uma fonte de erro sistemático. O
médico se volta a procurar um IAM com supra de ST. Uma vez que os sinais
de um IAM com supra são encontrados ou descartados, fica fácil de parar
de procurar outras anormalidades. Isso é chamado de encerramento
prematuro, e pode levar à omissão de outras anomalias significativas no
ECG (12). Para evitar o encerramento prematuro, não interrompa a
interpretação uma vez que sinais de um IAM com supra foram excluídos e
continue lendo o ECG até que a análise seja completada. O uso de
checklists é conhecido por reduzir a frequência de erros cognitivos.
Vários estudos recentes mostraram uma melhora significativa na precisão
da interpretação de ECGs com o uso de checklists, independentemente da
expertise do médico. A única desvantagem é um aumento no tempo de
interpretação (13, 14).
O próximo problema ocorre em relação a
situação clínica do ECG. Quando um ECG é entregue a um médico,
frequentemente vem sem a história clínica correspondente. A história
clínica melhorar a capacidade dos médicos para interpretar um ECG com
precisão (15). Porém, os médicos devem ter cuidado, pois histórias
clínicas incorretas podem impactar negativamente na interpretação do ECG
(16, 17). Estes resultados são provavelmente devido aos atalhos citados
anteriormente que criam um viés para resultados lembrados mais
facilmente. Um método para melhorar essa fonte de erro é instruir quem
traz o ECG (enfermeira, técnico, estudante, ou residente) para contar
história breve e precisa quando entregá-lo. Além disso, todos os ECGs
devem ser reavaliados uma vez que o médico tenha obtido a história
clínica e feito o exame físico do paciente.
A obtenção de ECGs
anteriores é tão importante quanto a história clínica. Um ECG padrão é
uma foto de 10 segundos da eletrofisiologia cardíaca. As doenças humanas
são um processo dinâmico. É importante avaliar ECGs anteriores e
comparar com o ECG atual. Conhecimento de anormalidades crônicas podem
alterar significativamente o manejo dopaciente (19). Além disso,
é essencial para não confiar em apenas um único ECG durante a visita do
paciente. ECGs devem ser obtidos em intervalos de 15 a 30 minutos para a
primeira hora da visita de um paciente em situação de risco de acordo
com as diretrizes mais recentes da AHA (20).
A maioria das
máquinas modernas de ECG fornecem uma análise geral computadorizada do
exame. Pode ser tentador usar isso como apoio, especialmente como um
aprendiz. Análises precisas por computador melhoram a interpretação
médica do ECG e aumentam a velocidade de interpretação (21). No entanto,
a análise automatizada é imprecisa entre 6% e 42% das vezes (5). Além
disso, a análise imprecisa do computador pode impactar negativamente na
capacidade do médico de interpretar o ECG corretamente (22). Esses
erros são, provavelmente, devidos a um viés de congruência, em que
existe uma tendência para procurar respostas que concordam com uma
opinião e ignorar possibilidades alternativas (23). Uma estratégia
prudente seria usar os benefícios da análise de computador e mitigar os
danos. Uma sugestão é interpretar o ECG em primeiro e em seguida usar a
análise de computador como um controle sobre a precisão. Além disso, é
importante sempre considerar o diagnóstico diferencial (por exemplo,
depressão do segmento ST pode ser devido a síndrome coronária aguda ou a
hemorragia intracerebral, entre outras causas).
A
educação médica está passando por uma rápida mudança para aprendizagem
baseada em computadores e na internet. A melhor maneira de ensinar
interpretação de ECG ainda está em debate. Muitas pessoas gostam de
modelos para o aprendizado individual. No entanto, eles podem ser menos
eficazes para a aprendizagem à longo prazo (25). Um cuidado deve ser
feito sobre a aprendizagem on-line e #FOAMed – ser cético e verificar
fontes. Uma análise recente no YouTube sobre vídeos de interpretação de
ECG demonstrou que 13% das análises estavam erradas (26). Revendo 3.500
ECGs e memorizando as fórmulas para QTc, Hipertrofia de VE, e a
diferenciação entre repolarização precoce e isquemia (27) fará de você
um leitor de ECG consideravelmente melhor. Mas, não fará com que você
fique à prova de erros. Por outro lado, compreender os erros
sistemáticos que cometemos irá reduzir muito a chance de interpretar os
ECGs dos seus pacientes de forma errada.
Autor: Romeo
Fairley MD (EM Attending Physician/Disaster Medicine Fellow, UC Irvine)
Editores: Alex Koyfman MD (EM Attending Physician, UT Southwestern
Medical Center / Parkland Memorial Hospital, @EMHighAK) and Stephen
Alerhand MD (@SAlerhand)
Tradutor: Ismael Dornelles (Estudante de Medicina, UFCSPA) Revisor: Henrique Puls (Estudante Medicina, UFCSPA)
O autor gostaria de agradecer Marlene Zacharia e Carl Schultz pelas suas contribuições.
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