Na última edição do JAMA, a Sepsis Definitions Task Force publicou três artigos atualizando as definições de sepse e choque séptico e dando evidências científicas para a derivação e validação dessas novas definições.
Essa atualização se mostrou necessária devido ao maior número de recursos de suporte de vida disponíveis nas UTIs atuais, especialmente em países desenvolvidos, e ao melhor entendimento dos mecanismos fisiopatológicos responsáveis pelas disfunções celulares e moleculares relacionadas à sepse e que contribuem para morbidade e mortalidade associadas com essa síndrome.
Para a derivação e a validação inicial dos critérios, os autores indentificaram todos os 148,907 casos com suspeita de infecção numa coorte de 1.3 milhões de atendimentos médicos registrados em prontuários eletrônicos em 12 hospitais da Pennsylvania, EUA. O próximo passo foi fazer uma análise confirmatória que incluiu 706,399 atendimentos em 165 hospitais Norte-Americanos e Alemães. Dois scores demonstraram bons resultados.
qSOFA (quick SEQUENTIAL ORGAN FAILURE ASSESSMENT SCORE)
O qSOFA score (também conhecido como quickSOFA) é uma ferramenta para se usar à beira do leito para identificar pacientes com suspeita/documentação de infecção que estão sob maior risco de desfechos adversos. Os critérios usados são: PA sistólica menor que 100 mmHg, frequência respiratória maior que 22/min e alteração do estado mental (GCS < 15). Cada variável conta um ponto no score, portanto ele vai de 0 a 3. Uma pontuação igual ou maior a 2 indica maior risco de mortalidade ou permanência prolongada na UTI.
SOFA (SEQUENTIAL ORGAN FAILURE ASSESSMENT SCORE)
Um Sofa Score alto está associado com um aumento na probabilidade de mortalidade. O score gradua anormalidades em diferentes sistemas do organismo e também leva intervenções clínicas em conta. No entanto, valores de exames laboratoriais, como PaO2, plaquetas, creatinina e bilirrubinas são necessários para completar a avaliação.
RESULTADOS
Os pesquisadores usaram os dados para testar a validade preditiva (correlação entre o resultado de um critério e um desfecho pré-definido) dos critérios para sepse. Os resultados demonstraram que nos atendimentos de pacientes com suspeita de infecção na UTI (n = 7932), a validade preditiva do SOFA para mortalidade no hospital (área sob a ROC curve [AUROC], 0.74 [95% CI, 0.73-0.76]) não foi significativamente diferente do valor gerado pelo critério LODS, de uso mais complexo (AUROC, 0.75 [95% CI, 0.73-0.76]), mas foi superior ao valor gerado pelo critério SIRS (AUROC, 0.64 [95% CI, 0.62-0.66]), que está em uso atualmente. Esses dados dão base para o uso do SOFA como critério clínico para o diagnóstico de sepse. Já nos atendimentos de pacientes com suspeita de infecção fora da UTI (n = 66522), o qSOFA demonstrou alta validade preditiva para mortalidade intra-hospitalar (AUROC, 0.81 [95% CI, 0.80-0.82]) e o resultado foi estatisticamente maior do que a validade preditiva do critério SIRS (AUROC, 0.76 [95% CI, 0.75-0.77]), sugerindo que o qSOFA é útil como critério de triagem clínica para se pensar em sepse.
Em outro artigo publicado na mesma edição do JAMA, pesquisadores descreveram a definição e critérios clínicos para a identificação de choque séptico em adultos. Os autores descrevem uma revisão sistemática e meta-análise de 92 estudos seguida do uso de um processo de Delphi (técnica quantitativa para estabelecimento de consensos) que resultou na criação da nova definição. Após a conclusão do processo, as variáveis identificadas foram testadas em estudos de coorte (Surviving Sepsis Campaign [n = 28 150; University of Pittsburgh Medical Center [n = 1 309 025], and Kaiser Permanente Northern California [n = 1 847 165]).
Como resultado desses dois estudos, novas definições e critérios clínicos para sepse e choque séptico foram adotadas. Ao mesmo tempo, alguns termos como septicemia, síndrome séptica e sepse grave foram colocados em desuso pelo grupo de trabalho.
DEFINIÇÕES
Sepse: disfunção orgânica potencialmente fatal causada por uma resposta imune desregulada a uma infecção.
Choque Séptico: sepse acompanhada por profundas anormalidades circulatórias e celulares/metabólicas capazes aumentar a mortalidade substancialmente.
CRITÉRIOS CLÍNICOS
Sepse: suspeita ou certeza de infecção e um aumento agudo de ≥ 2 pontos no SOFA em resposta a uma infecção (representando disfunção orgânica).
Choque Séptico: sepse + necessidade de vasopressor para elevar a pressão arterial média acima de 65 mmHg e lactato > 2 mmol/L (18 mg/dL) após reanimação volêmica adequada.
COMPARAÇÃO COM AS DEFINIÇÕES ANTIGAS
DEFINIÇÕES ANTIGAS | DEFINIÇÕES NOVAS | |
SEPSE | SIRS: temperatura > 38 ºC ou < 36 ºC; frequência cardíaca > 90 bpm; frequência respiratória > 20 mrm ou PaCO2 < 32 mmHg; e leucocitos totais < 4,000 ou > 12,000, ou > 10% de bastões + Suspeita de Infecção | Suspeita/Documentação de Infecção + 2 ou 3 no qSOFA OU Aumento de 2 ou mais no SOFA |
SEPSE GRAVE | Sepse + PAS < 90 ou PAM < 65 Lactato > 2.0 mmol/L RNI > 1.5 ou KTTP > 60 s Bilirrubina > 2.0 mg/dL Débito Urinário < 0.5 ml/Kg/h por 2h Creatinina > 2.0 mg/dL Plaquetas < 100,000 SaO2 < 90% em AA | Definição Excluída |
CHOQUE SÉPTICO | Sepse + Hipotensão mesmo com reanimação volêmica adequada | Sepse + Necessidade de vasopressores para manter PAM > 65 E Lactato > 2 mmol/L após reanimação volêmica adequada |
CONCLUSÃO
Existem algumas limitações claras como a ausência de
validação prospectiva do qSOFA, a ausência do nível de lactato no SOFA
Score e a falta de integrantes e dados de países subdesenvolvidos e em
desenvolvimento nos trabalhos.
Os estudos foram liberados para o público apenas nessa semana e muita discussão ainda irá ocorrer. As respostas virão após análise crítica de todos os dados e todas as discussões. Por enquanto, o que podemos fazer é lembrar que sepse é uma condição com alta taxa de mortalidade e pacientes podem se beneficiar de identificação e manejo precoces,
portanto devemos, pelo menos por enquanto, avaliar nossos pacientes
tanto com os critérios de SIRS como com os critérios do qSOFA em mente.
LEIA MAIS EM:
Nossos parceiros do Trauma Uno fizeram uma avaliação das novas definições em relação a casos de trauma: O Trauma e a nova Sepse
REFERÊNCIAS
- Singer M, Deutschman CS, Seymour CW, et al. The Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. doi:10.1001/jama.2016.0287.
- Seymour CW, Liu VX, Iwashyna TJ, et al. Assessment of clinical criteria for sepsis: for the Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. doi:10.1001/jama.2016.0288.
- Shankar-Hari M, Phillips GS, Levy ML, et al. Developing a new definition and assessing new clinical criteria for septic shock: for the Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. doi:10.1001/jama.2016.0289.
- Abraham E. New Definitions for Sepsis and Septic Shock: Continuing Evolution but With Much Still to Be Done. JAMA.2016;315(8):757-759. doi:10.1001/jama.2016.0290.
- Predictive Validity. https://en.wikipedia.org/wiki/Predictive_validity. Acessado em 23/02/2016.
- Delphy Study. http://betterevaluation.org/evaluation-options/delphitechnique. Acessado em 23/02/2016.
- Vincent JL, de Mendonça A, Cantraine F, et al; Working Group on “Sepsis-Related Problems” of the European Society of Intensive Care Medicine. Use of the SOFA score to assess the incidence of organ dysfunction/failure in intensive care units: results of a multicenter, prospective study. Crit Care Med. 1998;26(11):1793-1800.
- Levy MM, Fink MP, Marshall JC. 2001 SCCM/ESICM/ACCP/ATS/SIS International Sepsis Definitions Conference. Critical care medicine. 31(4):1250-6. 2003.
- Bone RC, Balk RA, Cerra FB, et al. American College of Chest Physicians/Society of Critical Care Medicine Consensus Conference: definitions for sepsis and organ failure and guidelines for the use of innovative therapies in sepsis. Crit Care Med. 1992;20(6):864-874.
- Instituto Latinoamericano da Sepse. http://ilas.org.br/upfiles/arquivos/justificativa-pt.pdf
Comentário do Blog
O profissional que atua na emergência deve se atentar que metade dos casos de Sepse dão entrada pelo pronto socorro. Com isso, precisamos criar a cultura de gerenciar os casos de Sepse em forma de protocolos desde a entrada na Classificação de Risco (CR). Hoje temos protocolos bem gerenciados de IAM e AVC já na CR, porém a necessidade de identificar a sepse já no primeiro contato com o paciente se faz emergente em nossa pratica assistencial. Com base nessa afirmativa vem ao encontro a necessidade das emergências otimizarem seu processo de entrada e estimularem: um resultado rápido de laboratório, a identificação adequada do paciente com sepse com protocolo qSOFA, o início rápido de antibióticos e a transferência rápida do paciente para o local de tratamento de pacientes críticos. Além dessas ações, acreditamos também no aumento de educação em saúde para população leiga, principalmente em relação ao reconhecimento precoce da sepse assim como já ocorre nos protocolos de doenças cardiovasculares.
Artigo muito relevante para a prática assistencial, no entanto, há a necessidade de elaboração/aprimoramento de instrumentos mais eficazes para detecção precoce do indivíduo em sepse e instalação do tratamento apropriado o mais brevemente possível, visto que, trata-se de uma doença grave que impacta tanto no aumento dos níveis de mortalidade quanto na elevação dos custos com o tratamento nos setores público e privado. Interessante também a simplificação do conceito de sepse, associando-o a condição de gravidade. Entretanto, são necessários estudos aprofundados com evidências nos países com recursos limitados, tendo em vista, que o consenso foi constituído por estudos em países desenvolvidos, não considerando o fato da escassez de recursos existente em países com realidades distintas.
ResponderExcluirBelo comentário Bianca! Você tem razão, precisamos de mais evidências sobretudo em cenários de escassos recursos! Porém, acima de tudo, a atenção deve ser constante para a suspeita de Sepse!
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