terça-feira, 15 de novembro de 2016

NOVAS DEFINIÇÕES DE SEPSE



 (Publicado em 24 de Fevereiro de 2016 em International Student Association of Emergency Medicine)
 
Na última edição do JAMA, a Sepsis Definitions Task Force publicou três artigos atualizando as definições de sepse e choque séptico e dando evidências científicas para a derivação e validação dessas novas definições.
Essa atualização se mostrou necessária devido ao maior número de recursos de suporte de vida disponíveis nas UTIs atuais, especialmente em países desenvolvidos, e ao melhor entendimento dos mecanismos fisiopatológicos responsáveis pelas disfunções celulares e moleculares relacionadas à sepse e que contribuem para morbidade e mortalidade associadas com essa síndrome.
Para a derivação e a validação inicial dos critérios, os autores indentificaram todos os 148,907 casos com suspeita de infecção numa coorte de 1.3 milhões de atendimentos médicos registrados em prontuários eletrônicos em 12 hospitais da Pennsylvania, EUA. O próximo passo foi fazer uma análise confirmatória que incluiu 706,399 atendimentos em 165 hospitais Norte-Americanos e Alemães. Dois scores demonstraram bons resultados.

qSOFA (quick SEQUENTIAL ORGAN FAILURE ASSESSMENT SCORE)





O qSOFA score (também conhecido como quickSOFA) é uma ferramenta para se usar à beira do leito para identificar pacientes com suspeita/documentação de infecção que estão sob maior risco de desfechos adversos. Os critérios usados são: PA sistólica menor que 100 mmHg, frequência respiratória maior que 22/min e alteração do estado mental (GCS < 15). Cada variável conta um ponto no score, portanto ele vai de 0 a 3. Uma pontuação igual ou maior a 2 indica maior risco de mortalidade ou permanência prolongada na UTI.

SOFA (SEQUENTIAL ORGAN FAILURE ASSESSMENT SCORE)

 

Um Sofa Score alto está associado com um aumento na probabilidade de mortalidade. O score gradua anormalidades em diferentes sistemas do organismo e também leva intervenções clínicas em conta. No entanto, valores de exames laboratoriais, como PaO2, plaquetas, creatinina e bilirrubinas são necessários para completar a avaliação.

RESULTADOS

Os pesquisadores usaram os dados para testar a validade preditiva (correlação entre o resultado de um critério e um desfecho pré-definido) dos critérios para sepse.  Os resultados demonstraram que nos atendimentos de pacientes com suspeita de infecção na UTI (n = 7932), a validade preditiva do SOFA para mortalidade no hospital (área sob a ROC curve [AUROC], 0.74 [95% CI, 0.73-0.76]) não foi significativamente diferente do valor gerado pelo critério LODS, de uso mais complexo (AUROC, 0.75 [95% CI, 0.73-0.76]), mas foi superior ao valor gerado pelo critério SIRS (AUROC, 0.64 [95% CI, 0.62-0.66]), que está em uso atualmente. Esses dados dão base para o uso do SOFA como critério clínico para o diagnóstico de sepse. Já nos atendimentos de pacientes com suspeita de infecção fora da UTI (n = 66522), o qSOFA demonstrou alta validade preditiva para mortalidade intra-hospitalar (AUROC, 0.81 [95% CI, 0.80-0.82]) e o resultado foi estatisticamente maior do que a validade preditiva do critério SIRS (AUROC, 0.76 [95% CI, 0.75-0.77]), sugerindo que o qSOFA é útil como critério de triagem clínica para se pensar em sepse.
Em outro artigo publicado na mesma edição do JAMA, pesquisadores descreveram a definição e critérios clínicos para a identificação de choque séptico em adultos. Os autores descrevem uma revisão sistemática e meta-análise de 92 estudos seguida do uso de um processo de Delphi (técnica quantitativa para estabelecimento de consensos) que resultou na criação da nova definição. Após a conclusão do processo, as variáveis identificadas foram testadas em estudos de coorte (Surviving Sepsis Campaign [n = 28 150; University of Pittsburgh Medical Center [n = 1 309 025], and Kaiser Permanente Northern California [n = 1 847 165]).
Como resultado desses dois estudos, novas definições e critérios clínicos para sepse e choque séptico foram adotadas. Ao mesmo tempo, alguns termos como septicemia, síndrome séptica e sepse grave foram colocados em desuso pelo grupo de trabalho.

DEFINIÇÕES

Sepse: disfunção orgânica potencialmente fatal causada por uma resposta imune desregulada a uma infecção.

Choque Séptico: sepse acompanhada por profundas anormalidades circulatórias e celulares/metabólicas capazes aumentar a mortalidade substancialmente.

 

CRITÉRIOS CLÍNICOS

Sepse: suspeita ou certeza de infecção e um aumento agudo de ≥ 2 pontos no SOFA em resposta a uma infecção (representando disfunção orgânica).

Choque Séptico: sepse + necessidade de vasopressor para elevar a pressão arterial média acima de 65 mmHg e lactato > 2 mmol/L (18 mg/dL) após reanimação volêmica adequada.

 

COMPARAÇÃO COM AS DEFINIÇÕES ANTIGAS 



DEFINIÇÕES ANTIGASDEFINIÇÕES NOVAS
SEPSESIRS: temperatura > 38 ºC ou < 36 ºC; frequência cardíaca > 90 bpm; frequência respiratória > 20 mrm ou PaCO2 < 32 mmHg; e leucocitos totais < 4,000 ou > 12,000, ou > 10% de bastões
+
Suspeita de Infecção
Suspeita/Documentação de Infecção
+
2 ou 3 no qSOFA
OU
Aumento de 2 ou mais no SOFA
SEPSE GRAVESepse
+
PAS < 90 ou PAM < 65
Lactato > 2.0 mmol/L
RNI > 1.5 ou KTTP > 60 s
Bilirrubina > 2.0 mg/dL
Débito Urinário < 0.5 ml/Kg/h por 2h
Creatinina > 2.0 mg/dL
Plaquetas < 100,000
SaO2 < 90% em AA
Definição Excluída
CHOQUE SÉPTICOSepse
+
Hipotensão mesmo com reanimação volêmica adequada
Sepse
+
Necessidade de vasopressores para manter PAM > 65
E
Lactato > 2 mmol/L após reanimação volêmica adequada

 

CONCLUSÃO

Existem algumas limitações claras como a ausência de validação prospectiva do qSOFA, a ausência do nível de lactato no SOFA Score e a falta de integrantes e dados de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento nos trabalhos.
Os estudos foram liberados para o público apenas nessa semana e muita discussão ainda irá ocorrer. As respostas virão após análise crítica de todos os dados e todas as discussões. Por enquanto, o que podemos fazer é lembrar que sepse é uma condição com alta taxa de mortalidade e pacientes podem se beneficiar de identificação e manejo precoces, portanto devemos, pelo menos por enquanto, avaliar nossos pacientes tanto com os critérios de SIRS como com os critérios do qSOFA em mente.

LEIA MAIS EM:

Nossos parceiros do Trauma Uno fizeram uma avaliação das novas definições em relação a casos de trauma: O Trauma e a nova Sepse


REFERÊNCIAS

  1. Singer  M, Deutschman  CS, Seymour  CW,  et al.  The Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. doi:10.1001/jama.2016.0287.
  2. Seymour  CW, Liu  VX, Iwashyna  TJ,  et al.  Assessment of clinical criteria for sepsis: for the Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. doi:10.1001/jama.2016.0288.
  3. Shankar-Hari  M, Phillips  GS, Levy  ML,  et al.  Developing a new definition and assessing new clinical criteria for septic shock: for the Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. doi:10.1001/jama.2016.0289.
  4. Abraham E. New Definitions for Sepsis and Septic Shock: Continuing Evolution but With Much Still to Be Done. JAMA.2016;315(8):757-759. doi:10.1001/jama.2016.0290.
  5. Predictive Validity. https://en.wikipedia.org/wiki/Predictive_validity. Acessado em 23/02/2016.
  6. Delphy Study. http://betterevaluation.org/evaluation-options/delphitechnique. Acessado em 23/02/2016.
  7. Vincent  JL, de Mendonça  A, Cantraine  F,  et al; Working Group on “Sepsis-Related Problems” of the European Society of Intensive Care Medicine.  Use of the SOFA score to assess the incidence of organ dysfunction/failure in intensive care units: results of a multicenter, prospective study. Crit Care Med. 1998;26(11):1793-1800.
  8. Levy MM, Fink MP, Marshall JC. 2001 SCCM/ESICM/ACCP/ATS/SIS International Sepsis Definitions Conference. Critical care medicine. 31(4):1250-6. 2003.
  9. Bone  RC, Balk  RA, Cerra  FB,  et al.  American College of Chest Physicians/Society of Critical Care Medicine Consensus Conference: definitions for sepsis and organ failure and guidelines for the use of innovative therapies in sepsis. Crit Care Med. 1992;20(6):864-874.
  10. Instituto Latinoamericano da Sepse. http://ilas.org.br/upfiles/arquivos/justificativa-pt.pdf
 


Comentário do Blog

O profissional que atua na emergência deve se atentar que metade dos casos de Sepse dão entrada pelo pronto socorro. Com isso, precisamos criar a cultura de gerenciar os casos de Sepse em forma de protocolos desde a entrada na Classificação de Risco (CR). Hoje temos protocolos bem gerenciados de IAM e AVC já na CR, porém a necessidade de identificar a sepse já no primeiro contato com o paciente se faz emergente em nossa pratica assistencial. Com base nessa afirmativa vem ao encontro a necessidade das emergências otimizarem seu processo de entrada e estimularem: um resultado rápido de laboratório, a identificação adequada do paciente com sepse com protocolo qSOFA, o início rápido de antibióticos e a transferência rápida do paciente para o local de tratamento de pacientes críticos. Além dessas ações, acreditamos também no aumento de educação em saúde para população leiga, principalmente em relação ao reconhecimento precoce da sepse assim como já ocorre nos protocolos de doenças cardiovasculares.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Compressões Torácicas Mecânicas X Manuais na PCR



Scandinavian Journal of Trauma Resuscitation and Emergency Medicine 24(1) 2016
Hui Li, Dongping Wang, Yi Yu, Xiang Zhao e Xiaoli Jing

Introdução
O objetivo deste trabalho foi realizar uma revisão sistemática das literaturas publicadas comparando o uso do dispositivo mecânico de compressão torácica e a compressão torácica manual durante a parada cardíaca (PCR) com relação aos resultados de sobrevida de curto prazo e função neurológica.

Métodos
Bases de dados, incluindo MEDLINE, EMBASE, Web of Science e o registros do ClinicalTrials.gov foram sistematicamente pesquisados. Outras referências foram obtidas a partir de referências cruzadas de artigos incluídos isoladamente. Os critérios de inclusão para esta revisão foram estudos prospectivos controlados de PCR em humanos adultos. Foram utilizados modelos de efeitos aleatórios para avaliar as razões de risco e os intervalos de confiança de 95% para o retorno da circulação espontânea (ROSC), sobrevida da admissão à alta e função neurológica.

Resultados
Doze ensaios (9 fora do hospital e 3 no hospital), envolvendo 11.162 participantes, foram incluídos na revisão. Os resultados desta meta-análise indicaram que não foram encontradas diferenças nos escores da Categoria de Desempenho Cerebral (CPC), na sobrevivência à internação hospitalar e na sobrevida para alta entre ressuscitação manual cardiopulmonar e mecânica para pacientes em PCR fora do hospital. Os dados sobre a obtenção de ROSC tanto no ambiente hospitalar como fora do hospital sugeriram uma má aplicação do dispositivo mecânico (RR 0,71, [95% CI, 0,53, 0,97] e 0,87 [IC95%, 0,81, 0,94], respectivamente). Pacientes fora do hospital recebendo reanimação manual foram mais propensos a atingir ROSC em comparação com a compressão torácica com o dispositivo mecânico (RR 0,88, [95% IC, 0,80, 0,96]). Os estudos intra-hospitalares sugeriram um aumento do dano relativo com as compressões mecânicas para a taxa de sobrevivência para a alta hospitalar (RR 0,54, [IC95%: 0,29; 0,98]). No entanto, os resultados não foram estatisticamente significativos entre diferentes tipos de dispositivos mecânicos de compressão torácica e ressuscitação manual na sobrevida para admissão, para a alta hospitalar e para escores de CPC para pacientes fora do hospital e sobrevida para alta hospitalar em pacientes internados em PCR.

Conclusões
A capacidade de obter ROSC com compressão mecânica foi inferior à compressão manual no peito durante a ressuscitação. O uso de compressão torácica mecânica não pode ser recomendado como um substituto para manobras manuais de PCR, mas sim um tratamento suplementar em uma estratégia global para o tratamento de pacientes em PCR.



Comentário do Blog
Este artigo publicado na Scandinavian Journal of Trauma Resuscitation and Emergency Medicine nos traz a relevância do tema e a necessidade de mais estudos de preferência nacionais sobre o uso do dispositivo mecânico de compressão torácica. Tanto a American Heart Association (AHA) quanto o Conselho Europeu de Ressuscitação (ERC) ainda não decidiram como irão orientar o uso desse tipo de dispositivo na PCR. Porém, uma coisa é certa, o uso de dispositivo mecânico de compressão torácica para quem já usou ou usa no cotidiano faz toda a diferença. Desde de 2015 utilizo na minha pratica assistencial de atendimento pré-hospitalar e percebo o quanto é relevante na PCR em locais de difícil acesso, durante o transporte no interior da ambulância, durante o transporte da ambulância para a sala de vermelha do hospital ou UPA, além da otimização do trabalho do socorrista.

O estudo PARAMEDIC apresentado no congresso da AHA em 2014 concluiu que os dispositivos foram bem recebidos pela sociedade científica, porém ainda precisamos de mais estudos para comprovar as evidências. Esse mesmo estudo demonstrou uma pequena vantagem nos pacientes utilizando os dispositivos, porém nada tão significativo, por isso venho convidar, os colegas, que utilizam um dispositivo de compressão torácica mecânica, para juntos criarmos evidências relevantes não para a substituição da compressão manual, mas para a recomendação adequada para o uso no pré e intra-hospitalar e a demonstração que um suporte tecnológico que vale seu investimento.

Vale ressaltar que o uso desses dispositivos necessita de recomendações específicas da Aliança Internacional de Comissões de Ressuscitação, além de regulamentação das indicações e contraindicações de forma clara e objetiva. Inclusive, não basta ter o suporte tecnológico, o treinamento da equipe deve ser alvo da excelência no uso do dispositivo.

Você tem experiência no uso de dispositivos de compressão torácica mecânica?
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